segunda-feira, 12 de fevereiro de 2007

Páginas da Ilusão

A propósito da telenovela Páginas da Vida, exibida diariamente na SIC, existem vários aspectos que não posso deixar passar em branco, sem comentar.
É certo que o autor tem vindo a demonstrar, nesta e noutras novelas passadas, que existem problemas gravíssimos e que devem ser abordados de uma forma relativamente séria, como o caso do alcoolismo, que é um vício que acaba com a vida do indivíduo em questão, e arrasa sobretudo com a vida das pessoas que o rodeia. Não querendo contrapor-me à sua boa intenção, acho um exagero a forma como o faz, mais exactamente nesta telenovela.
Com o passar do tempo, tenho ficado revoltada com o caso da menina bulímica. Primeiramente, não é um assunto banal, que deva ser tratado de forma tão superficial como tem sido. Além disso, o caso é completamente surreal.
A menina tem uma mãe insuportável, que a obriga a comer "folhas" o tempo todo, como se isso é que fosse saudável. Não! Uma alimentação saudável passa por comer um pouco de tudo, proteínas, hidratos e gorduras em poucas quantidades. Por outro lado, o autor faz crer aos mais "distraídos" que só quem tem uma mãe assim, intransigente, é que desenvolverá um transtorno alimentar, o que não corresponde totalmente à realidade. É verdade que muita pressão sob a vida de uma pessoa mais sensível e influenciável (ainda para mais em fase de crescimento e de aprendizagem) pode resultar em tipos de comportamentos considerados anormais, mas muitos mais são os factores intrínsecos e extrínsecos que poderão conduzir ao seu desenvolvimento, não tão especificamente uma mãe sem ocupação, demasiado protectora, insuportável, intolerante e que procura que a filha seja o seu ideal de vida.
Além disso, quando começámos a assistir a este tipo de comportamento disturbado, a menina tinha apenas 10 anos. Passados cinco anos, a jovem continua com a doença, sendo que é perfeitamente aceitável e verosímil. O que custa a entender é o facto dela continuar com aspecto hiper saudável, cabelo e pele magníficos (quando supostamente estariam, no mínimo, ressequidos), com uma vida social próxima do normal (quando geralmente há uma tendência para o isolamento, depressão e pouco convívio), aparentemente alegre, de bem com a vida e rebelde (falta às aulas, quando a tendência é ser-se perfeccionista em tudo o que se faz, nos estudos, hobbies,...; é ter medo de falhar). Ah! E também não revela uma auto-estima inferior, apesar de em certos momentos o autor se lembrar de tentar demonstrá-lo. Enfim, uma colecção de coisas estúpidas. Claro que o resultado será jovens desesperadas por esse ideal de beleza a procurar saber mais sobre a dita doença, que faz verdadeiros "milagres": poder comer de tudo e ficar/continuar magra, linda e magnífica.
Outro aspecto que acaba por me indignar é o facto do autor não moderar a quantidade de casos reais que quer transparecer. Será que não é lógico que, com o decorrer da novela, a tendência é dar maior relevância a alguns problemas (ou factos), descurando a importância de outros? Alcoolismo, aborto, síndrome de Down (trissomia 21), venda de crianças, bulimia, gravidez precoce... São todos temas polémicos, que têm o seu grau de importância e, na minha opinião, só quem vive qualquer destas situações (seja o próprio sujeito, seja família) pode avaliar o que sente, o quanto influencia as suas vidas e o quão importante é. São temas inevitavelmente falados e comentados pelos telespectadores, uns mais do que outros, porque nem todos são visíveis a olho nu. Acho mal, claro que acho mal, pois para mim não há um "problema maior", há sim graus de afectação e doenças mais silenciosas que outras e, portanto, infelizmente acaba-se por camuflar ou minorar o grau de importância de uma doença só porque é um pouco menos óbvia.

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